quinta-feira, 19 de junho de 2008

Olhadela a Trás-os-Montes

por Armando Jorge Silva

Em Maio, andei peregrinando por terras de Trás-os-Montes. No final resultaram saudades mortas, memórias revividas, reencontros aguardados, emoções sentidas, informações novas recolhidas e a vontade irresistível de querer regressar sempre.

Entrei em Trás-os-Montes pelo Minho. Em Braga, no Santuário do Sameiro, onde comemorávamos o 44º aniversário do embarque para Angola, aos camaradas militares do B.Caç.670 tive a oportunidade de dizer: "Foi e continua a ser o sentimento orgulhoso do dever cumprido para com a Pátria que nos congrega e nos torna amigo solidários".

Apanhei a auto-estrada A7, em Fafe, já a meio do trajecto, mas ainda a tempo de contemplar a configuração do seu lançamento em terras transmontanas. Depois, tive o ensejo de percorrer, pela primeira vez, o troço da A24, entre Vila Pouca de Aguiar e Chaves (fronteira). À medida que galgava quilómetros e quilómetros embalado na rapidez e segurança que as auto-estradas proporcionavam, perante o quase nulo trânsito que encontrava dei comigo a pensar ser aquele faraónico investimento um desperdício injustificável e louco para o País. Pensei melhor e do mau pensamento me arrependi. De facto, se queremos um Trás-os-Montes moderno, progressivo, capaz de rentabilizar potencialidades e arrancá-lo do ancestral atrofiamento é forçoso abrir-lhe portas e fronteiras. As acessibilidades são fundamentais. E elas aí estão, cada vez mais e melhores. O futuro da nossa terra, desenha-se. Trás-os-Montes já não é aquela terra distante, isolada entre montes, carente de civilização. É já ali, a poucas horas, com um manancial de riquezas naturais e humanas para conquistar e usufruir. O que vimos dá-nos essa esperança, garante-nos essa certeza.

Percorri, como explorador enfeitiçado por terra virgem, a serra do Alvão. Alvadia, Macieira, Lamas d'Olo, Travassos, Vilar de Ferreiros, já no concelho de Mondim de Basto, encontram-se hoje ligadas por estrada asfaltada e proporcionaram a oportunidade de saciar-me sofregamente com a imensidade da paisagem serrana.

Estive em Vila Pouca de Aguiar, Chaves, Valpaços, Vila Real. Olhei com a força de quem quer ver. Equipado com máquina fotográfica registei imagens para confirmar ideias. Vilarandelo, Vale de Casas, Fornos do Pinhal, Sonim, Barreiros, Santa Valha, Ervões e localidades anexas, Vassal, todas no concelho de Valpaços, serviram-me de ensaio.

Observei vilas e cidades reparadas, limpas, ordenadas, equipadas com as valências modernas necessárias para garantir qualidade de vida. Constatei o resultado feliz de um trabalho feito e os benefícios de um investimento aplicado.

No entanto, nas aldeias pairam em cada canto os sinais evidentes da desertificação humana. Uma realidade há muito tempo prevista e agora irreversivelmente confirmada.

Não surpreende, mas torna-se dolorosa. Entra-se nas aldeias, vêem-se igrejas, capelas, cemitérios, moradias, pequenos largos e singelos monumentos, percorrem-se ruas empedradas, bate-se à porta das casas, novas ou reparadas. Procura-se uma informação. Responde-nos o silêncio. O silêncio de algo que outrora falava, que enchia os ares dos gritos de crianças e os campos das vozes de humanos e animais. Agora, ninguém. Talvez no café... Sim, no pequeno café ou então no Lar da Terceira Idade ainda é possível que algum velhinho ou velhinha nos possa ajudar.

É um mundo que acaba, outro que começa. Um arranjo demográfico novo se instala progressivamente nas terras transmontanas. O mundo do amanhã não muito remoto será diferente do mundo de ontem que conhecemos e vivemos. As vilas e cidades crescem e neste crescimento participa a população das aldeias. Em Vila Pouca de Aguiar, na noite de 12 de Maio, presenciei uma tocante e ordenada procissão de velas com mais de 2.000 pessoas.

Chaves mostra nas ruas, cafés e restaurantes uma apreciável movimentação de pessoas. Nesta época, a profusão dos seus canteiros relvados e floridos de amores-perfeitos faz de Chaves um encantador jardim adornando vielas, ruas, praças e monumentos.

A estrada nacional 213, que liga Chaves e Valpaços está a receber obras profundas de reparação que eliminarão, em breve, muitas curvas incómodas e perigosas e aproximarão as duas cidades do Alto Tâmega.

Vila Real, que outrora saboreei como linda mas pequena cidade, cresceu. Demonstrando uma macrofagia insaciável, em poucos anos, absorveu as freguesias satélites de Lordelo, Vila Marim, Parada de Cunhos, Folhadela, Borbela, Mateus e outras integrando-as na malha urbana. Maior, muito maior, equipada com múltiplas e variadas estruturas, construindo-se em cada dia com os olhos postos no futuro, Vila Real continua acolhedora como sempre, mas agora mais limpa, asseada, vistosa, ordenada, arborizada e florida.

Neste meu périplo terrestre transmontano, em Maio chuvoso e frio, deixei Vila Real sob impressionante dilúvio e, por Viseu, regressei a Lisboa para viver a cada hora que passa o misterioso e trágico destino da sarça ardente que sempre arde e nunca se consome. Trás-os-Montes e Alto Douro, meu amor.

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