sábado, 25 de outubro de 2008

Maria Pia no Palácio da Ajuda

por José Manuel Pavão*

Não são ainda muito claras e por isso pouco convincentes, as razões que impediram o casal real, D. Luís e D. Maria Pia, de voltar ao Palácio da Ajuda, a casa onde viveram a sua vida de consortes e de monarcas, para devidamente representados participarem no lançamento duma quase biografia da penúltima rainha de Portugal.

É nossa convicção que por detrás dos argumentos, estarão algumas mal disfarçadas e recalcadas aversões à monarquia, ou então, o mais provável, as habituais reticências e entraves ora postas a nu por alguns quadros da nossa Administração Pública quando são tocados por um conhecido mal, potencialmente epidémico e para já sem terapêutica, chamado burocracite crónica.

Cumprida a exigência, qual máscara censória, do prévio envio do livrinho, nem mesmo o facto do apresentador ser uma ilustríssima figura da República, quiçá a mais ilustre dado ter sido o obreiro da estabilidade democrática, foi suficiente para ultrapassar o "não enquadramento do acto na programação do Palácio".

Não se engalanou portanto o Palácio, nem o seu Director mandou desfraldar bandeira e estender tapete aos ilustres...

Assim, foi na biblioteca que o Sr. General Ramalho Eanes perante uma numerosa assistência, com o rigor de análise que o caracteriza, fez a apresentação do livro "Maria Pia, rainha e mulher", da autoria de José Manuel Pavão e João Cerqueira.

E teve absoluta razão o ex-Presidente da República quando afirmou não ter sido a rainha a criadora do Hospital de Crianças do Porto, que durante mais de um século levou o seu nome como patrono, e que ora está em vias de desaparecimento por decisão política do actual Governo.

De facto, deve-se à coragem de um grupo de Homens Bons do Porto, que preocupados com a situação social da sua cidade, fundaram um Hospital para crianças pobres e doentes, e onde existiu uma escola médico-cirúrgica de enorme prestígio.

Como dissemos no livro, a Rainha Maria Pia, reconhecidamente gastadora, deixou também testemunhos de grande sensibilidade social e por isso a chamavam de "Anjo da Caridade", mas onde mais incidimos a nossa atenção foi na sua figura de mulher no habitat da corte, depois perante a trágica enormidade do regicídio e ainda as alterações comportamentais que se seguiram.

Mesmo sabendo haver quem não goste de rever a história, neste caso duplamente real por ser de reis e de verdade, é nossa convicção que a iniciativa, mesmo sem jornais e sem TV, foi um contributo, ainda que modesto, para a animação cultural da cidade alfacinha.E isso, enche-nos de alegria. Mas no final, o que perdura, é o grito de alma dessa mulher-rainha a caminho do exílio, quando disse não ter já Família nem Pátria

Ora quando isso acontece, tal como o Romeiro de Garrett, não somos de facto Ninguém.

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*médico, ex-director do Hospital Maria Pia

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