quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Coincidências e lembranças

É como a história da existência das bruxas..., que eu nunca encontrei, mas de que muitos confirmam a sua presença.

Normalmente as histórias das bruxas têm que ver com actos, ou sequência de Vida, pouco animadores. Desastres acontecidos. Infelicidades e amores contrariados. O nosso fado!

As minhas histórias são mais animadoras e geralmente associadas aos prazeres da mesa. Das bruxas colecciono algumas receitas de culinária, e a famosa receita da "Queimada das Bruxas" que, de certo, já aqueceu muitos transmontanos em noites frias.

Da mesma forma que me afirmo agnóstico, também não acredito nas bruxas, figuras do imaginário quantas vezes inventadas para desculpar, ou culpar, comportamentos.

As coincidências quando são boas admitem-se como associadas à sorte, mas pela negativa quantas vezes se invocam as bruxas ou os maus-olhados, e outros, com resignação, simplesmente aceitam o destino! E quantas vezes, na história, se condenaram as bruxas por interesses variados? Agora que parece já não haver esses perigos, habituemo-nos a olhar as bruxas com ternura, e guardemos delas os elementos positivos que nos deixaram, como as receitas de cozinha. Sobre as quais escreverei noutra oportunidade.

Este palavreado, à laia de intróito, para no final da crónica ilustrar o texto com duas coincidências.

Nasci, e fui educado em Bragança até ser adulto. Poucas vezes venho à terra. O facto de passar longos períodos de ausência, quando regresso, sinto sempre com maior facilidade, as diferenças urbanas.

Ainda está na memória de todos a quase revolução popular, e de má hospitalidade, aquando da inauguração do Museu Abade de Baçal, depois de profundas obras de remodelação que transformaram o Museu num espaço de nova dinâmica museológica, quer dizer, um Museu contemporâneo. Não digo moderno pelas más interpretações que são atribuídas a este termo. Como bragançano não entendia os comentários, e acções, que naquele tempo se fizeram contra o Museu e especialmente contra a Presidente do Instituto Português de Museus, Simonetta Luz Afonso. E sobretudo pela forma agressiva como foi recebida na "minha" cidade, quase sendo obrigada a fugir.

Mal tive oportunidade de vir a Bragança, fui imediatamente visitar o Museu. Já tinha uma ligeira opinião pois tinha visto os projectos de remodelação, em planta, em Lisboa.

Surpresa! Finalmente uma obra em Bragança, ligada à cultura, com um modelo, e estética, associado aos novos métodos de apresentação museológica, exaltando as peças mais nobres e permitindo a rotação das peças em reservas, deixando de ser um Museu estático para adquirir, pela instalação, uma postura dinâmica. Gostei muito. Claro que a primeira coisa que fiz foi parabenizar a minha amiga Simonetta, pessoa que aprendi a respeitar ao longo da minha vida profissional e que permitiu estarmos ligados a grandes projectos de gastronomia. O primeiro foi a grande exposição da Vida em Portugal no "Século XVIII", no Palácio de Queluz em 1987. Foi possivelmente esta minha participação que me obrigou, e depois fascinou, ao estudo da alimentação em Portugal. O segundo grande projecto foi a Europália, em Bruxelas em 1991. Portugal foi o primeiro país a apresentar a gastronomia como património cultural, com manifestações múltiplas em três cidades. O terceiro grande projecto foi a instalação da gastronomia portuguesa no Pavilhão de Portugal na EXPO 98, com várias frente servindo em diversas oportunidades e espaços, mas sempre a cozinha regional portuguesa. Uma grande mulher com quem tive o prazer, e a honra, de trabalhar associado a programas e que foi responsável pela obra de maior modernidade que se tinha feito em Bragança. A propósito do Museu Abade de Baçal, e de comida, quero lembrar três obras de pintura que figuram na exposição permanente: "Cozinha Transmontana" de Berta Nery Durão Ferreira, "Os Petiscos de Bragança" tríptico de Henrique Tavares e uma encantadora "Natureza Morta - Cebolas" de Silva Porto.

Naquele tempo dizia eu que as obras mais importantes de Bragança eram o Museu e a ampliação da Pousada de S. Bartolomeu. Tendo esta sido encerrada para obras durante um longo período, e as suas obras de arte dispersas por outras pousadas, empenhei-me pessoalmente, tendo que lutar contra certas oposições dentro da empresa, para que a maior parte dos seus elementos decorativos regressassem, designadamente: "Cena do Mercado", "Mulher e Criança" e "Taça com Frutos" de Júlio Resende e ainda "Natureza Morta" de Jorge Pinheiro. Regressaram todas as peças, e com o ritmo de garantir a ligação ao local, ainda adquirimos a tapeçaria "A Menina e o Anjo" de Graça Morais, pois parecia-me despropositado a Pousada de S. Bartolomeu não ter uma obra da sua artista plástica que mais pinta e desenha a sua terra e as artífices anónimas que cultivam a Natureza. As minhas ligações gastronómicas a Graça Morais são longas e variadas. Possivelmente recordam ainda a crónica, que aqui escrevi, sobre a função dos alimentos na pintura e como ela se reflecte na pintura de Graça Morais. Recentemente Bragança teve a oportunidade de lhe dedicar um espaço "Centro de Arte Contemporânea Graça Morais", na zona nobre da cidade e que, de certo, vai ajudar a dinamizar a Baixa tão pouco frequentada. Curioso reparar que na cafetaria do Centro são apresentadas como sugestões doces de castanhas, de alto gabarito.

Quero ainda referir outra mulher que me liga a Bragança e aos movimentos gastronómicos: Rosalia Vargas. Enquanto responsável nacional do programa Ciência Viva, criou um sector "A Cozinha é um Laboratório", com grande sucesso e do qual sou admirador e frequentador. A partir de pequenas demonstrações, e de coisas simples como estrelar um ovo ou entender o crescimento do pão pelo fermento, muitas crianças aprendem a gostar de física e outras matérias, e a levar a curiosidade para as salas de aula. Essa curiosidade é muitas vezes o motor para aumentar o nível qualitativo das escolas. Temos um projecto em conjunto que ambos esperamos concretizar brevemente. A gastronomia passou já a ocupar cinquenta por cento do tempo das nossas conversas.

Nenhuma destas três mulheres tem a ver com as bruxas que citei no início do texto.

A primeira palavra que utilizei em título foi coincidências. Importa agora escrever sobre elas, ou simplesmente citá-las.

A primeira foi a inauguração em Bragança do pólo da Ciência Viva no dia 30 de Junho de 2007. A segunda foi a inauguração do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais no dia 30 de Junho de 2008. Duas grandes inaugurações na minha terra no mesmo dia e mês, e anos consecutivos! Costuma-se dizer que não há duas sem três...! E duas inaugurações de duas amigas minhas com as quais também consolido a Amizade pelos temas permanentes da comida. Não vou dizer que foram elas que escolheram as datas. Ironias de conveniências políticas...? Sim, que tiveram honras de Governo.

Se tivessem sido desgraças alguém teria já invocado um bruxedo, ou maldição de alguma bruxa. Como foram coisas boas, esquecem-se as contra-bruxas. Não são as fadas, essas não passam das histórias infantis. São as bruxas boas, que quiseram brincar comigo fazendo inaugurações em Bragança, duas consecutivas, no dia do meu aniversário, e darem-me o pretexto de vos dirigir estas palavras, de fim de Verão.

BOM APETITE para os espaços de Bragança que referi.


© Virgílio Gomes

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