quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Casa de Bragança - dois episódios

Sobre esta temática irei alinhavar uns brevíssimos apontamentos sobre dois extraordinários episódios acerca de dois Duques de Bragança.

Os episódios em causa : um, de gelar o sangue, tal a loucura do acto; o outro que, pela grande coragem do seu jovem autor, muito espantou os seus contemporâneos, portugueses e não só, e ainda hoje suscita a nossa admiração.

São duas "histórias da História", das muitas que o meu pai me contava e me deslumbravam . Esse deslumbre acentuou-se quando, já estudante em Coimbra, tive durante dois anos o privilégio de ser aluna do grande Professor Damião Peres que, homem sábio, apaixonado pelo saber, fazia a História ganhar vida própria.

Chega de conversa e vamos então ao 1º episódio que me propus contar-vos:

Foi 4º Duque de Bragança D. Jaime, nascido em 1479 e falecido em 1532. Era filho do 3º Duque, D. Fernando, que em 1483 foi acusado de traição e, por ordem de El-rei D. João II, decapitado em Évora. Não se sabe se o duque-menino , D. Jaime , apenas com 4 anos, terá visto a execução de seu pai. Sabe-se que à casa de Bragança foram confiscados todos os bens em favor da Coroa. Sua mãe, D.Jaime e irmãos refugiaram-se em Castela onde foram bem recebidos.

Após a morte de D. João II, aclamado rei D. Manuel I (27.10.1495), assina este a "Carta de Reabilitação" da Casa de Bragança (18.06.1496) declarando nulos os efeitos do processo de execução do Duque D. Fernando e manda regressar a Portugal D. Jaime e toda a família. Então, como 4º Duque de Bragança, entra D. Jaime na posse de todos os seus bens e mercês.

Era D. Jaime muito dado a práticas religiosas que, por vezes, implicavam mesmo o martírio. Em 1502, tinha então 23 anos e estava já acertado o seu contrato de casamento com D. Leonor, filha de D. Luís de Guzmão, 3º Duque de Medina Sidónia e grande nobre de Espanha, decidiu D. Jaime fugir do palácio para se tornar frade. El-rei D. Manuel teve de intervir, ordenando que o trouxessem de volta e obrigando-o a honrar o seu compromisso.

Para além desta faceta de grande religiosidade, parece que era de seu natural um acentuado pendor melancólico, revelando aqui e ali algum desequilíbrio psíquico.

Casou, pois, D. Jaime com D. Leonor e desse casamento houveram dois filhos.

Era pagem de seu filho um fidalgo de sua casa, António Alcoforado, jovem de 17 anos.

As intrigas e a maledicência fervilhavam no palácio e terá D. Jaime suspeitado, ou algo lhe fora soprado ao ouvido, acerca da infidelidade da esposa com o pagem. Tresloucado de ciúmes, mandou prender o jovem e ordenou ao capelão que o confessasse. Após a confissão mandou-o matar no próprio palácio de Vila Viçosa.

A Duquesa, avisada do acontecido, correu com os filhos para os seus aposentos e aí os encontrou D, Jaime. Ordenou que o capelão fosse novamente chamado para a confessar. Parece que D. Jaime teria ainda hesitado, mas a intriga e o mórbido ciúme foram mais fortes e, num acesso de loucura, apunhalou a esposa, D. Leonor de Bragança. Isto aconteceu no dia 2 de Novembro de 1512, Dia de Finados.

O rei D. Manuel mandou instaurar um processo contra o Duque de Bragança, mas este refugiou-se em Évora-Monte e pode dizer-se que um silêncio espesso caiu sobre o caso. Com o silêncio veio o esquecimento. Talvez porque D. Jaime continuava a entregar-se a rigorosas penitências para expiar os seus crimes perante Deus e reparar perante os homens o mal que praticara.

Muito mais haveria certamente a dizer sobre D. Jaime (a ele se deve a construção do Palácio Ducal de Vila Viçosa, a reconstrução dos castelos de Ourém e de Porto de Mós, entre outros feitos), mas há que poupar espaço para o 2º episódio prometido.

Refere-se este ao 7º Duque de Bragança, D. Teodósio II, filho do 6º Duque, D.João e de sua mulher e prima D. Catarina. Nasceu D. Teodósio em Vila Viçosa e veio a falecer em 1630. Tinha apenas 10 anos e assistia aos preparativos de seu pai para, com 600 cavaleiros, 2.000 infantes de suas terras e 30 navios, tomar parte naquela que viria a ser a infelicíssima expedição a Alcácer-Quibir em 1578.

Porém, seu pai, tomado de sezões, não pôde embarcar. Por isso, enviou em seu lugar o pequeno duque para acompanhar El-rei D. Sebastião.

Nos primeiros recontros o duquesinho seguiu sempre o rei a cavalo. Porém, vendo que o perigo aumentava, D. Sebastião ordenou que se afastasse para devida segurança. D. Teodósio fingiu obedecer mas, no auge da batalha, montou novamente a cavalo e, seguido pelos seus soldados, juntou-se a D. António, Prior do Crato, e tomou parte na luta. Ferido na cabeça, foi feito prisioneiro com muitos dos seus servidores.

Seu pai, o Duque D. João de Bragança, mandou imediatamente tratar do resgate, custasse o que custasse. Filipe II de Espanha terá escrito ao rei de Marrocos que, vendo que se tratava de uma criança, mandou libertar o pequeno duque, não aceitando qualquer resgate.Penso que este episódio da nossa História, com destaque para a Casa de Bragança, merece ser lembrado pela carga de coragem, lealdade, amor e tolerância evidenciados por todos os intervenientes e que, ainda hoje, pode servir de lição de vida para todos nós.

Nota - Também desta vez peço a quem, nestas duas breves "histórias da nossa História", achar algo a acrescentar, completar e/ou corrigir, o favor de o fazer. Todos teremos a ganhar, aprendendo com quem é mais sabedor.

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FONTES:

Joel Serrão, "Pequeno Dicionário de História de Portugal", Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1976;
Joaquim Veríssimo Serrão, "História de Portugal", Vol. II: "Formação do Estado Moderno" (1415-1495), 2ª ed., Lisboa, 1978;
Abade de Baçal, "Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança" , 2ª ed., Bragança, 2000;
Jean-François Labourdette, "História de Portugal", Publicações D. Quixote, Lisboa, 2003;
Informação colhida na Internet, por ex. : em "O Portal da História" e em "GENEA" .

Leiria, 2008-09-26. Júlia Barros Guarda Ribeiro (Biló)

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