quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Galiza aqui tão perto

por António Chaves

Há uma diminuição da procura de trabalhadores portugueses nas regiões fronteiriças, a par de uma queda da exportação de produtos portugueses para Espanha, que, em Março registou uma diminuição mensal de 7%. Os sectores mais sensíveis são os têxteis, vestuário e calçado que colocam neste mercado um quarto das suas exportações.

Naturalmente, a Trás-os-Montes interessa-lhe acompanhar, em particular o comportamento da construção civil na Galiza e em toda a Espanha, uma vez que é este sector que mais pode afectar as famílias locais com elementos a trabalhar nesse sector, que além de ser o mais afectado, representa para Espanha 10% do Produto Interno Bruto.

A criação de postos de trabalho tem como primazia a dinâmica empresarial e é no tecido industrial galego / Espanhol que se tem conseguido nos últimos tempos um número significativo de novos empregos, e onde, a médio prazo a nossa região vai colher a experiencia e o contacto com uma realidade que privilegia a inovação, a cultura do risco, o empreendorismo e criação de novos projectos como base do desenvolvimento e da sustentabilidade.

As taxas de juro, petróleo e bolsas internacionais estão a afectar as economias europeias e ainda de forma mais marcada a economia portuguesa, onde persiste uma situação de desemprego estrutural. Independentemente da conjuntura desfavorável há que ter em conta que a Galiza representa o sexto principal destino das exportações portuguesas, um mercado potencial de cerca de três milhões de consumidores, com preços dos produtos de consumo semelhantes aos praticados em Portugal e onde o salário mínimo é mais do dobro do que o do lado de cá. Existe aqui uma janela de oportunidade não só a nível de emprego e colocação de produtos vendáveis, mas também a possibilidade de contactar uma cultura organizacional mais consistente, um laboratório de projectos e experiencia no domínio da gestão que podem vir a beneficiar Trás-os-Montes se se revelar capaz de conceber e concretizar uma estratégia regional inteligente. Não é demais recordar que o equilíbrio das contas publicas, conseguido em parte à custa da redução das remunerações reais, do crescimento económico e do sacrifício das classes médias, acompanhado de uma terceirização da sociedade portuguesa está a expor crescentemente a vulnerabilidade das pessoas, mesmo perante pequenas flutuações do rendimento monetário.

Dado que os sérios problemas da economia nacional estão a absorver as energias do governo, estamos, diria, a retornar ao tempo do reinado de D. Manuel, quando reconheceu que não era capaz de abastecer os povos da raia em sachos, relhas e outros materiais de ferro, panos, etc., permitindo o abastecimento em Espanha como se a fronteira não existisse.

A fronteira já não é o que era então e a oferta de trabalho, os mercados, os centros tecnológicos, a Europa das regiões e os valores da cidadania constituem um novo paradigma para o convívio enriquecedor entre os povos raianos, numa comunhão de afectos e propósitos

Idênticos aos partilhados, em harmonia, entre o séc. v e o séc. XI.

É a voz de Miguel Torga que nos evoca, ainda, este elo meio desfeito com a terra e com a vida, entre povos irmãos:


Desta terra sou feito.
Fragas são os meus ossos.
Húmus a minha carne.
Tenho rugas na alma
E correm-me nas veias
Rios impetuosos.
Dou poemas agrestes,
E fico também longe
No mapa da nação.
Longe e fora de mão...*


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*Miguel Torga; Identificação; in: Poesia Completa; Publicações D. Quixote; Lisboa; 2000.

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