domingo, 1 de fevereiro de 2009

Consultório médico

O nosso associado, Prof. Doutor Fernando de Carvalho Araújo, Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Infecciologista pela Ordem dos Médicos, responderá, de maneira simples, concisa e coloquial, às perguntas, sobre DOENÇAS INFECCIOSAS, que os associados da CTMAD e seus familiares lhe queiram dirigir. Para tal, deverão fazer chegar as suas perguntas à CTMAD, Campo Pequeno, 50-3º E, 1000-081 Lisboa ou a ctmad.lisboa@gmail.com



M. M. E. Cruz (Lisboa), pergunta:


A chamada "Febre da Carraça" só se apanha quando as pessoas contactam com os cães portadores daqueles parasitas? É que eu tenho uma sobrinha, recentemente internada num hospital de Lisboa, com esta doença e, todavia, ela nunca lidou, de perto ou de longe, com aqueles animais!... Como se explica isso?


R - A "Febre da Carraça" é uma doença endémica (isto é: uma doença infecciosa, mas não contagiosa de pessoa a pessoa, existente, com relativa frequência, em determinadas regiões e países, sobretudo da zona mediterrânica, na qual, em certa medida, Portugal está incluído.


No nosso País, esta doença designa-se (em termos médicos) por Febre Escaro-Nodular (F.E.N.), em sinal de homenagem ao grande médico Higienista Dr. Ricardo Jorge, notável especialista que lhe dedicou uma atenção de imenso relevo, e que lhe deu esse nome mercê de duas características clínicas, muito sugestivas, presentes na pele dos doentes com F.E.N.: um exantema (erupção cutânea) nodular, constituído por pequenos nódulos, de tom rosado, generalizado por toda a superfície do corpo, abarcando, inclusivamente, o couro cabeludo, a palma das mãos e a planta dos pés e (a outra característica) uma escara, de cor escura - a chamada "mancha negra" - rodeada por um halo inflamatório, avermelhado, correspondente ao local da pele onde a carraça "picou", a qual (escara) é, no entanto, de aparecimento inconstante (observa-se, apenas, em 30-40% dos casos), e pode ser múltipla.


Acompanhando estes sinais clínicos, existem, quase sempre, febre elevada (39-40ºC), violentas dores de cabeça, dos músculos e das articulações e congestão ocular.


A doença é provocada por um microrganismo bacteriano, da família das Rickettsias, que infecta as carraças (sem que elas adoeçam) e a transmitem à espécie humana, por picada ou mordedura.


Passando, agora, ao cerne da sua questão, gostaria de a informar de que (por um lado) os cães não são os únicos animais susceptíveis de serem parasitados por carraças. Com efeito, estes aracnídeos podem, igualmente, parasitar (além dos cães afectivos ou domésticos), cães e gatos "vadios", "porquinhos-da-índia", carneiros, cabras e ovelhas, coelhos bravos e caseiros, lebres, raposas, lobos e, até, certas aves; e (por outro lado) podem "vaguear" livres, na Natureza, enquanto buscam (ao acaso) qualquer "hospedeiro" de sangue quente (e, por conseguinte, o próprio Homem), para a ele se "agarrarem" e o "morderem" e, assim, lhe sugarem o sangue, que é o principal alimento que lhes assegura a sobrevivência. As carraças são, por isso mesmo, chamadas de artrópodes hematófagos.


Essas carraças errantes (infectadas com a tal Rickettsia - o agente microbiano que provoca a F.E.N. no Homem) sobem às árvores, caem no chão, "frequentam" os parques, as tapadas, as matas, os campos e os bosques, os jardins com relva e árvores (das grandes moradias e estâncias de veraneio), "fazendo pela sua vidinha", na procura das "vítimas", que, alheadas do risco que correm, se lhes tornarem mais acessíveis, como sucede com os caçadores, os fãs dos piqueniques ou dos churrascos ao ar livre, os pastores, os militares acampados, os praticantes de caravanismo "selvagem", etc., etc.





A. P. Morais (Vila Real), pergunta:


As acentuadas alterações climáticas, trazendo para as nossas latitudes temperaturas mais elevadas, podem aumentar a ocorrência e propagação de doenças infecciosas?


R - Na minha resposta à sua interessante e oportuna pergunta, bastaria reproduzir "tim-tim por tim-tim", o seu respectivo texto, substituindo, unicamente, o ponto de interrogação final (?) por um ponto de exclamação (!).


Na realidade, como (até finais do séc. XXI) se presume que a temperatura ambiental média, do nosso planeta, deverá aumentar entre 1,5ºC e 3,5ºC, nunca foram tão verdadeiras as "profecias" anunciadas pelos Infecciologistas e Epidemiologistas de todo o Mundo, quando consideraram que as consequências desse fenómeno - a elevação da temperatura global - poderiam ser dramáticas para certas regiões e certos países.


Com efeito, conforme, hoje, se admite, essa alteração climática provocará (se não for contida a tempo) uma notável modificação no comportamento biológico dos animais vectores que transportam, em si próprios, os agentes microbianos infectantes pré-existentes (e predominantes) em latitudes distantes, como sucede relativamente a certas doenças infecciosas graves, como a Febre-amarela, o Dengue, a Febre do Nilo Ocidental e as infecções causadas pelos Hantavirus.


Parafraseando o distinto e ilustre Infecciologista português, Prof. Henrique Lecour, "Um mundo mais quente será, certamente, um mundo mais doente".




NOTA: Sempre que os leitores entendam não ter ficado esclarecidos sobre as questões que apresentaram, não hesitem em comunicar, outra vez, connosco.


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